Médica explica que o transtorno não é doença, e o diagnóstico não é realizado por meio de exames de sangue ou imagens
Dados da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) mostram que o Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH) atinge cerca de dois milhões de pessoas no Brasil. Trata-se de uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a capacidade de uma pessoa de manter a atenção, controlar impulsos e regular a atividade motora. O diagnóstico é realizado por um neurologista/psiquiatra adulto ou infantil, dependendo da idade do paciente.
Segundo a neuropediatra Estéfani Ortiz, referência no assunto, o profissional especializado realiza uma avaliação clínica abrangente que inclui entrevista detalhada com os pais, cuidadores, professores e pacientes, além de observações comportamentais e, muitas vezes, questionários e escalas de avaliação padronizada — que deve considerar a presença de sintomas em mais de um ambiente (por exemplo, em casa e na escola) e a interferência nas atividades diárias da criança.
Estéfani revela que o TDAH é diagnosticado com mais frequência em meninos do que em meninas. “Uma das razões pode ser que os sintomas de hiperatividade e impulsividade, mais comuns em meninos, são mais visíveis e perturbadores, enquanto meninas tendem a apresentar sintomas de desatenção que podem ser mais sutis e, portanto, menos notados”, esclarece.
A especialista conta que os professores costumam perceber primeiro o TDAH, pois eles observam o comportamento da criança em um ambiente estruturado e comparado com os de outras crianças da mesma faixa etária. “No entanto, os pais também podem notar dificuldades em casa, especialmente se a criança tem problemas para seguir instruções ou completar tarefas. Porém, é na escola que observamos a dificuldade que essa criança está apresentando”, ressalta.
Estéfani afirma que o problema começa na infância, contudo, em alguns casos, o TDAH pode ser diagnosticado na vida adulta, quando os desafios no trabalho, na vida familiar e nas relações sociais se tornam mais evidentes. A médica diz que os sintomas podem mudar ao longo do tempo, mas as dificuldades com atenção, organização e impulsividade continuam. “Se o TDAH não é identificado, na vida adulta ele pode somar-se a outros transtornos que não surgiram na infância, como ansiedade, depressão e abuso de drogas lícitas ou ilícitas”, alerta.
Hiperatividade x impulsividade
De acordo com a neuropediatra, a hiperatividade se refere ao excesso de atividade motora. Crianças hiperativas podem parecer estar sempre em movimento, têm dificuldade em ficar sentadas por longos períodos e podem falar excessivamente. Quando a hiperatividade não é vista nos movimentos, ela pode ser percebida como hiperatividade mental, em que há uma dificuldade em manter o mesmo assunto e uma mesma narrativa, onde não se completa um assunto do início ao fim.
Já a impulsividade está na dificuldade em controlar impulsos. Crianças e adultos impulsivos podem agir sem pensar, interromper os outros, ter dificuldade em esperar a sua vez e tomar decisões precipitadas. Essas dificuldades estão ligadas ao lobo frontal, a parte do cérebro localizada na testa, responsável pelo controle dos impulsos mais primitivos, incluindo vontades e irritabilidade. No TDAH, a menor atividade e a desregulação de neurotransmissores (dopamina e noradrenalina) permitem que pensamentos e sentimentos sejam expressos sem o controle adequado, resultando em comportamento impulsivo.
Fatores ambientais e genéticos podem influenciam no desenvolvimento do TDAH
Conforme a médica, estudos mostraram que o TDAH é altamente hereditário, com uma taxa de herdabilidade de 70-80%. Isso significa que, se um dos pais tem TDAH, é muito provável que a criança também possa ter. “Além do componente genético, fatores ambientais também desempenham um papel importante. Por exemplo, a exposição a toxinas durante a gravidez, como o tabaco e o álcool, pode aumentar o risco de TDAH. Outros fatores incluem baixo peso ao nascer, lesões cerebrais precoces e viver em ambientes familiares estressantes. Esses fatores podem afetar o desenvolvimento do cérebro e contribuir para o aparecimento dos sintomas do TDAH”, aponta.
O ambiente tem o poder de ativar genes que estão inativos, e a exposição a estressores pode desencadear a manifestação do transtorno. Tanto a genética quanto o ambiente são cruciais na compreensão e manejo do TDAH.
TDAH e as doenças psiquiátricas
A médica argumenta que o TDAH está frequentemente associado a outras condições psiquiátricas, conhecidas como comorbidades comuns — incluem transtornos de ansiedade, depressão, transtorno desafiador opositivo (TDO), transtornos de aprendizado e de conduta.
A presença dessas condições pode complicar o diagnóstico e o tratamento do TDAH, tornando a avaliação profissional ainda mais importante. “Crianças e adultos com TDAH muitas vezes apresentam preocupações excessivas e ataques de pânico associados a transtornos de ansiedade. A depressão também é frequente, resultando em baixa autoestima e frustração com dificuldades escolares ou de trabalho. O TDO é caracterizado por comportamentos negativistas e desafiadores em relação a figuras de autoridade, enquanto os transtornos de aprendizagem, como dislexia, podem agravar o desempenho acadêmico”, destaca.
Além disso, como lembra Estéfani, o autismo, ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), pode ocorrer com o TDAH, exacerbando dificuldades na comunicação social e comportamentos repetitivos. Ela reitera que a avaliação profissional abrangente é crucial para identificar todas as condições presentes e desenvolver um plano de tratamento eficaz, que pode incluir medicamentos, terapia comportamental e intervenções educacionais. “Uma abordagem integrada e multidisciplinar é essencial para melhorar a qualidade de vida e o funcionamento diário dos indivíduos afetados, fornecendo o suporte necessário para enfrentar os desafios complexos que surgem com essas condições”, pontua.
Tratamento
Medicação: psicoestimulantes como metilfenidato e anfetaminas são frequentemente usados, além de não estimulantes como a atomoxetina, recentemente chegado ao Brasil, é uma alternativa ao tratamento das crianças que apresentam muitos efeitos adversos com o metilfnidato. Há pouco tempo foi descoberto que crianças que realizaram o tratamento medicamentoso bem orientado por profissional especializado, além de melhora dos sintomas atuais, diminuem no futuro a chance de seguir o uso de medicamentos para o TDAH e reduzem o desenvolvimento de novos transtornos como ansiedade e depressão.
Terapia comportamental: a psicóloga em terapia-cognitivo comportamental é padrão ouro para o TDAH. Ajuda a criança a desenvolver habilidades de organização, controle de impulsos e socialização.
Atividade física: com intensidade e regularidade realiza a liberação no cérebro de neurotransmissores importantes para os sintomas do TDAH.
Intervenções educacionais: ajustes na escola, como tempo extra para completar tarefas e ambientes de estudo tranquilos.
Apoio psicossocial: educação e suporte para os pais e familiares para melhor compreender e manejar o TDAH.
Orientação aos pais
Estéfani lembra que a paciência é o começo, pois essas crianças têm dificuldades que prejudicam a dinâmica familiar e escolar, deixando os pais apreensivos. A médica reforça que estabelecer rotinas e regras claras em casa é o segundo passo, ajudando a criança a superar os desafios criando bons hábitos, rotina e responsabilidades.
Durante a consulta, a neuropediatra comenta que realiza a educação dos pais, ensinando-os sobre o TDAH e suas manifestações na criança. Ela observa que usar reforços positivos para encorajar comportamentos desejáveis é fundamental, pois eles liberam a dopamina que falta no cérebro da criança TDAH.

Entretanto, a médica diz que punições e castigos dificilmente funcionam. “Colaborar com a escola, trabalhando em conjunto com professores para criar um ambiente de aprendizado que atenda às necessidades da criança, também é essencial. Oferecer apoio emocional e ser paciente, reconhecendo os desafios únicos que a criança enfrenta, é igualmente importante”, orienta.
Além disso, a especialista chama a atenção que considerar a terapia familiar pode melhorar a dinâmica e a comunicação dentro da família, proporcionando um suporte mais sólido para a criança.